NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRIMINALÍSTICA
Os Peritos Oficiais de Natureza Criminal do Brasil reunidos em Assembleia Geral Ordinária do XXV Congresso Nacional de Criminalística, realizado no Centro de Convenções de Goiânia/GO aos quatro dias de outubro de 2019, após aprovação, por unanimidade de seus convocados, vem, respeitosamente, MANIFESTAR sua preocupação com o que consta do Decreto Presidencial nº 9.831/2019, de 10 de junho de 2019, cujo teor alterou o funcionamento e composição do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura).
Composto por onze peritos especialistas independentes, o MNPCT foi instituído pela Lei nº 12.847/2013 sob a égide do Plano Nacional de Direitos Humanos III (Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009) e atua em instalações de privação de liberdade e custódia coletiva de pessoas com o objetivo de identificar eventuais práticas de tortura e demais tratamentos degradantes sob quaisquer circunstâncias. Dentre as suas atribuições está a elaboração de relatórios e a expedição de recomendações aos órgãos competentes, sendo, por isso, considerado instrumento estratégico de combate e prevenção à tortura previsto nos protocolos internacionais liderados pela Organização das Nações Unidas/ONU.
É nesse contexto que o Decreto Presidencial impôs, dentre outros graves vilipêndios, o caráter voluntário da função desempenhada pelos peritos do Mecanismo Preventivo Nacional, transformando esta política pública em trabalho precário e limitado, vedando o seu exercício a pessoas vinculadas a redes, a entidades da sociedade civil e a instituições de ensino, pesquisa e extensão, além de resultar na imediata exoneração dos atuais ocupantes desse colegiado.
Importante salientar que o Estado Brasileiro consolidou o urgente imperativo internacional de proibição à tortura em documentos internos, prevendo-o como direito fundamental no artigo 5º, inciso III da Constituição Federal, e, ainda, por meio da edição de garantias legais e constitucionais para assegurar esse direito, a exemplo da Lei nº 9.455/97, que criminalizou a tortura, e do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, que tornou o crime de tortura crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
Assim como a proibição da tortura é um direito humano, o estabelecimento de instrumentos, mecanismos e ações para evitar e combatê-la também o são – sendo igualmente essencial para proteger a dignidade da pessoa humana a garantia da autonomia funcional, administrativa e financeira dos órgãos periciais oficiais forenses brasileiros, cujas atribuições processuais penais visam verificar e materializar o corpo de delito em locais de crime, cujo universo de vestígios examinados podem indicar ambientes de tortura e tratamentos desumanos ou degradantes nos ambientes privativos de liberdade brasileiros.
O comprometimento da independência e estrutura humana e física do Mecanismo Preventivo Nacional, a partir da exoneração desmotivada dos atuais peritos antes do término de seus respectivos mandatos, da extinção dos seus respectivos cargos e remunerações, e convolação da atividade desenvolvida como meramente voluntária, mudanças essas consolidadas no referido Decreto Presidencial, revelam uma marca preocupante de evidente caráter regressivo do ponto de vista institucional; de retrocesso em relação ao processo contínuo e ininterrupto de evolução e aprimoramento dos direitos humanos em âmbito nacional; traduz preocupante atentado aos direitos humanos, e, em especial, ao direito humano à não submissão à tortura.
Nesse sentido, a precarização do MNPCT, estabelecida no mencionado Decreto Presidencial, viola o compromisso brasileiro de efetivação dos direitos humanos e de suas respectivas garantias, atingindo o direito inderrogável da proibição à tortura. Manifestam-se, por isso, os Peritos Oficiais de Natureza Criminal do Brasil, reunidos nesta Assembleia Geral Ordinária do XXV Congresso Nacional de Criminalística/2019, pela inadequação da referida mudança legislativa, primando-se pelo restabelecimento dos mandatos dos peritos, assim como da independência, autonomia e estrutura existente em status ante ao Decreto, como forma de manutenção e respeito à Democracia, aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, às leis nacionais e à Constituição da República Federativa do Brasil.
Leandro Cerqueira Lima
Presidente da ABC
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