O QUE VI NO JULGAMENTO

Esse texto foi escrito pela Dra. Adriana Santos, que assistiu aos dois dias de julgamento da Médica baiana Kátia Vargas, acusada por homicídio doloso, triplamente qualificado, por ter se envolvido em um acidente de trânsito. A verdade foi mostrada no tribunal e ela, por justiça, foi inocentada. Julgamento ocorrido em 2017.

 

         O QUE VI NO JULGAMENTO

 

Meu nome é Adriana. Sou formada em Letras, advogada e, por amor à justiça e às provas, venho expressar nessas linhas o que vi no plenário do julgamento de Kátia Vargas.

Vi nos três advogados da defesa a mesma sintonia que se espera numa equipe cirúrgica, que opera o cérebro de um paciente: Dr. Daniel Kignel, o anestesista que pouco fala ou aparece, mas que é determinante para o deslinde de tudo;  Dr. Rodrigo Dall’Acqua, o neurocirurgião, o homem da precisão da técnica, dos instrumentos, o dono do bisturi e, por fim, o Dr. José Luís Mendes Oliveira Lima, o cirurgião plástico, o Ivo Pitangui, o maior de todos, o dono do acabamento, da finalização, do aperfeiçoamento e o responsável por reduzir a cicatriz a uma linha discreta.

Hoje é sexta-feira, dia 08.12.2017, e já se passaram dois dias do encerramento do júri, mas continuo emocionada, assistindo repetidamente, em minha tela mental, a aula de oratória, sensibilidade, técnica, mas, sobretudo, a aula de um advogado que defendeu a VERDADE, sobre a qual estava absolutamente convencido e que teve a competência de desvendá-la perante as pessoas que tiveram o privilégio de estar dentro daquele histórico Tribunal do Júri, mesmo contra todas as previsões, mesmo à revelia de todos que se recusam a julgar os autos.

Naqueles dias, confirmei o que adoto como conduta de vida: a verdade não pertence aos holofotes, às câmeras, à imprensa, aos vaidosos, a quem faz barulho… O bisavô de Dr. Lima estava certo! Esse bisavô, de fato, era um homem sabido… A verdade não se diminui perante o grito! Vi a família das vítimas fatais dessa tragédia ser respeitada em sua dor – não estou falando do respeito óbvio, devido a qualquer ser humano, mas sim do respeito sentido, lamentoso, que evita o escárnio, que não é indiferente –, respeito oferecido mesmo pela defesa de quem estava do lado oposto dessa dor. E confesso que tenho a satisfação íntima de ter assistido tudo isso através da maestria da condução da defesa de Kátia Vargas.

O resultado só foi uma grande virada para os afoitos: aqueles que julgam sem se debruçar sobre as provas, monstrificando (com o perdão do dicionário) uma pessoa que se envolveu sim numa terrível tragédia. Quem de nós pode afirmar que jamais estará envolvido em uma? Quem de nós queria ser aquela mulher publicamente execrada há 4 longos anos? Quem de nós queria estar naquela posição indefesa, completamente humilhada, e jogada às bestas feras do velho, porém novo, coliseu de atrocidades? Quantas vezes já nos envolvemos em tragédias discretas, que passam despercebidas perante a mídia, mas que destroem nossas vidas particulares?

Não adiantou teatro, gritos decorrentes de estilo ou de convicção. Que coisa feia! Vergonha alheia. Exemplo do que não fazer, do que não seguir, do que não repetir, do que não quero ser! Alunos dos cursos de Direito: não aprendam isso! Quando se quer desqualificar a encomenda, ataca-se o carteiro. Isso é mais antigo do que as preciosas lições ensinadas pelo bisavô do Dr. Lima. A defesa falava de fatos, de provas, de técnica! Não vi os advogados de defesa choramingarem por razão: eles TIVERAM razão. Ponto. A defesa não foi uma farsa. Simples assim. Para cada argumento trazido pela defesa, havia um documento correspondente.  Lamentavelmente, a sessão não foi transmitida pela televisão. Essa é a maior das tristezas daqueles dois dias!

Mas não é só! Se essas linhas fossem um livro, haveria um capítulo com o título “Alberi Espindula – o tom e a segurança da verdade”. A esse perito, a esse senhor de fala firme, que transbordou serenidade, é preciso dirigir um pedido de desculpas: desculpe os meus pares de profissão; desculpe a humilhação pública à qual você foi submetido; desculpe por seu depoimento não ter passado na televisão! Mas, mais do que desculpe, devo agradecer. Não agradecer o fato de você ter beneficiado a defesa. Não! Obrigada por ter dado uma aula pública e gratuita de educação, ética, uma aula de “como não se intimidar perante os falsos gigantes”.

Eu tenho orgulho de admirar pessoas como você e foi exatamente isso que eu queria dizer, quando te cumprimentei na porta do Fórum e pedi a Deus que te abençoe.

Outro capítulo levaria o título “Gelzi Maria Almeida Souza – A Themis de agora”. Isso mesmo! A Meritíssima juíza que presidiu o julgamento bem que poderia atender pelo nome mitológico da deusa da justiça: demonstrou autoridade, equilíbrio, respeito às famílias, sensibilidade ao caso concreto e humanidade no interrogatório da então ré no processo. Pessoas como esta dignificam a Magistratura e embalam o imaginário daqueles que sonham ou pretendem ingressar nesta carreira.

Senhores advogados de Defesa: agradeço em nome dos sensatos, dos educados e dos cordiais. Agradeço em nome dos humildes, dos que não se envergonham de admitir que julgaram apressadamente, que foram pedra, quando o telhado era vidro. Agradeço em nome dos advogados que se debruçam sobre o estudo sério; que estudam para aprender e testar a elasticidade do aprendizado e não para se mumificarem na putrefação da inflexibilidade.

Não vou me ocupar da acusação. Chega de atenção. Certamente a equipe médica que faria a suposta neurocirurgia, referida no início dessas linhas, prescreveria “ostracismo” não injetável. Ainda assim, deve doer mais do que perder.

 

Adriana Santos

 

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